quinta-feira, 26 de junho de 2014

PAULO PERANTE NERO.

Paulo perante Nero — como se salienta o contraste! O soberbo rei, diante de quem o homem de Deus devia responder por sua fé, tinha alcançado o mais alto poder terreno, autoridade e riqueza, bem como as mais baixas profundezas da iniqüidade e do crime. Em poder e grandeza ele não tinha rival. Ninguém havia que pusesse em dúvida sua autoridade nem que lhe resistisse à vontade. Reis depunham as coroas a seus pés. Exércitos poderosos marchavam ao seu mando, e as insígnias de seus navios significavam vitórias. Sua estátua foi erguida nas salas dos tribunais, e os decretos dos senadores e as decisões dos juízes eram apenas o eco de sua vontade. Milhões se curvavam em obediência a suas ordens. O nome de Nero fazia o mundo tremer. Cair em seu desagrado era perder a propriedade, a liberdade, a vida; e a sua carregada fisionomia era para temer mais que a pestilência. – {AA 276.4}
Sem dinheiro, sem amigos, sem conselho, o idoso prisioneiro estava perante Nero — apresentando a fisionomia do imperador o relato vergonhoso das paixões que no interior combatiam, e exprimindo o semblante do acusado um coração em paz com Deus. A vida de Paulo tinha sido de pobreza, abnegação, sofrimento. Não obstante a persistente difamação, opróbrios, maus-tratos com que seus inimigos tinham procurado intimidá-lo, destemidamente mantivera no alto o estandarte da cruz. Como seu Mestre, tinha sido um errante sem lar, e como Ele vivera para abençoar a humanidade. Como poderia Nero, tirano caprichoso, licencioso e apaixonado, compreender ou apreciar o caráter e os intuitos desse filho de Deus? – {AA 277.1}
O vasto recinto foi invadido por uma multidão ávida e inquieta, que se comprimia e acotovelava para ver e ouvir tudo o que ocorresse. Os grandes e pequenos ali estavam, os ricos e os pobres, os doutos e os ignorantes, os orgulhosos e os humildes, todos igualmente destituídos do verdadeiro conhecimento do caminho da vida e da salvação. – {AA 277.2}
Os judeus apresentaram contra Paulo as velhas acusações de sedição e heresias, e tanto judeus como romanos o denunciaram como tendo instigado o incêndio da cidade. Enquanto insistiam nessas acusações contra ele, Paulo conservava uma inquebrantável serenidade. O povo e os juízes olhavam para ele com surpresa. Tinham presenciado muitos julgamentos, e olhado para muitos criminosos; mas nunca tinham visto um homem apresentar um aspecto de tão santa calma como apresentava o prisioneiro perante eles. Os olhos perspicazes dos juízes, acostumados a ler o rosto dos prisioneiros, pesquisavam em vão a fisionomia de Paulo a fim de descobrirem alguma evidência de crime. Quando lhe foi permitido falar em sua própria defesa, todos escutaram com ávido interesse. – {AA 277.3}
Mais uma vez teve Paulo a oportunidade de erguer perante uma multidão maravilhada a bandeira da cruz. Contemplando a multidão diante de si — judeus, gregos, romanos, juntamente com estrangeiros de muitas terras, — o espírito se lhe agitou com um intenso desejo da salvação deles. Perdeu de vista a ocasião em que se encontrava, os perigos que o cercavam, o terrível destino que parecia tão próximo. Via somente a Jesus, o Intercessor, pleiteando perante Deus em prol de homens pecadores. Com eloqüência e poder mais do que humanos, Paulo apresentou as verdades do evangelho. Apontou a seus ouvintes o sacrifício feito pela raça decaída. Declarou que um preço infinito foi pago pela redenção do homem. Foram-lhe providos os meios para participar do trono de Deus. Por meio de mensageiros angélicos, a Terra está ligada ao Céu, e todas as ações dos homens, sejam boas ou más, estão patentes aos olhos da Justiça Infinita. – {AA 277.4}
Assim pleiteou o advogado da verdade. Fiel entre infiéis, leal entre desleais, achava-se ele como o representante de Deus, e sua voz era como a voz do Céu. Não havia temor, tristeza, desânimo nas suas palavras ou aspecto. Forte na convicção da inocência, revestido da armadura da verdade, regozijava-se em ser filho de Deus. Suas palavras eram uma aclamação de vitória por sobre o troar da batalha. Ele declarava ser a causa a que dedicou a vida, a única que nunca poderá falhar. Embora ele perecesse, o evangelho não pereceria. Deus vive, e Sua verdade triunfará. – {AA 277.5}
Muitos que naquele dia olharam para ele, “viram o seu rosto como o rosto de um anjo”. Atos dos Apóstolos 6:15. – {AA 278.1}
Nunca antes havia aquela multidão ouvido palavras como essas. Elas tocaram uma corda que vibrou até no coração dos mais endurecidos. A verdade, clara e convincente, derribou o erro. A luz brilhou na mente de muitos que mais tarde seguiram alegremente seus raios. As verdades expostas nesse dia estavam destinadas a sacudir as nações, e a perdurar através de todos os tempos, influenciando o coração dos homens quando os lábios que as haviam proferido estivessem silenciosos na sepultura de um mártir. – {AA 278.2}
Nunca antes ouvira Nero a verdade como a ouviu nessa ocasião. Nunca antes os enormes crimes de sua vida tinham-lhe sido dessa maneira revelados. A luz do Céu penetrou nos recessos de sua alma poluída pelo pecado, e ele tremeu com terror ao pensar em um tribunal perante o qual ele, o governador do mundo, seria finalmente citado, recebendo suas obras a justa sentença. Temeu o Deus do apóstolo, e não ousou passar sentença contra Paulo, contra quem nenhuma acusação pudera ser sustentada. Um sentimento de temor restringiu por algum tempo seu espírito sanguinário. – {AA 278.3}
Por um instante, o Céu se abrira para o criminoso e endurecido Nero, e sua paz e pureza lhe pareceram desejáveis. Naquele momento, o convite de misericórdia se estendera até ele. Mas, por um momento apenas foi-lhe bem-vindo o pensamento de perdão. A seguir, foi expedida a ordem para que Paulo fosse reconduzido ao calabouço; e quando a porta se fechou por trás do mensageiro de Deus, a porta do arrependimento se fechava para sempre para o imperador de Roma. Nenhum raio de luz do Céu penetraria de novo as trevas que o envolviam. Logo deveria ele sofrer os juízos retribuidores de Deus. – {AA 278.4}
Não muito tempo depois disso, Nero deu início à sua ignominiosa expedição à Grécia, onde desonrou a si e ao seu reino em desprezíveis e vis frivolidades. Retornando a Roma com grande pompa, cercou-se de seus cortesãos e se entregou a cenas de revoltante devassidão. Em meio a essa orgia, ouviu-se nas ruas uma voz de tumulto. Um mensageiro despachado para se informar da causa, voltou com novas de empalidecer, dizendo que Galba, à frente de um exército, estava marchando rapidamente sobre Roma, e que a insurreição havia já irrompido na cidade, estando as ruas cheias de uma multidão enraivecida que, ameaçando de morte o imperador e todos os que o cercavam, se estava rapidamente aproximando do palácio. – {AA 278.5}
Nesse tempo de perigo, Nero não teve, como o fiel Paulo, um Deus poderoso e compassivo em quem confiar. Temendo o sofrimento e possíveis torturas que poderia ser levado a enfrentar diante da fúria da turba, o miserável tirano pensou em pôr fim à vida pelas próprias mãos, mas no momento crítico faltou-lhe a coragem. Completamente pusilânime, fugiu ignominiosamente da cidade, buscando refúgio numa residência de província, a poucos quilômetros de distância; porém, de nada valeu. Seu esconderijo foi logo descoberto, e enquanto os perseguidores se aproximavam a cavalo, ele chamou um escravo para ajudá-lo, e infligiu a si mesmo um golpe mortal. Assim pereceu o tirano Nero, na curta idade de trinta e dois anos. – {ATOS DOS APÓSTOLOS - 279.1}

Nenhum comentário: